domingo, 7 de fevereiro de 2010

DUAS ALMAS

Alceu Wamosy


 Duas almas
 
Ó tu que vens de longe, ó tu, que vens cansada,
Entra, e, sob este teto encontrarás carinho:
Eu nunca fui amado, e vivo tão sozinho,
Vives sozinha sempre, e nunca foste amada...

A neve anda a branquear, lividamente, a estrada,
E a minha alcova tem a tepidez de um ninho,
Entra, ao menos até que as curvas do caminho
Se banhem no esplendor nascente da alvorada.

E amanhã, quando a luz do sol dourar, radiosa,
Essa estrada sem fim, deserta, imensa e nua,
Podes partir de novo, ó nômade formosa!

Já não serei tão só, nem irás tão sozinha.
Há de ficar comigo uma saudade tua...
Hás de levar contigo uma saudade minha...


 
 WAMOSY, Alceu. Poesia completa.
Alves Ed.: IEL: EDIPUCRS, 1994. p.143


imagem da web

domingo, 27 de setembro de 2009

AMOR ANTIGO



O amor antigo vive de si mesmo,
não de cultivo alheio ou de presença.
Nada exige nem pede, nada espera,
mas do destino vão nega a sentença.

O amor antigo tem raízes fundas,
feitas de sofrimento e de beleza.
Por aquelas mergulha no infinito,
e por estas suplanta a natureza.

Se em toda a parte o tempo desmorona,
aquilo que foi grande e deslumbrante,
o antigo amor, porém nunca fenece
e a cada dia surge mais amante.

Mais ardente, mais pobre de esperança.
Mais triste? Não. Ele venceu a dor,
e resplandece no seu canto obscuro,
tanto mais velho quanto mais amor.

Carlos Drummond de Andrade.   


 Imagem da Web 

domingo, 6 de setembro de 2009

ISMÁLIA

Imagem da Web

Quando Ismália enlouqueceu,
Pos-se na torre a sonhar...
Viu uma lua no céu,
Viu outra lua no mar,

No sonho em que se perdeu,
Banhou-se toda em luar...
Queria subir ao céu,
Queria descer ao mar...

E, no desvario seu,
Na torre pos-se a cantar...
Estava perto do céu,
Estava longe do mar...

E como um anjo pendeu
As asas para voar...
Queria a lua do céu,
Queria a lua do mar...

As asas que Deus lhe deu
Ruflaram de par em par...
Sua alma subiu ao céu,
Seu corpo desceu ao mar...


Imagem da Web